14 maio 2023

A grafia de lilás e lilases


O nome lilás vem do árabe lilak, que significa «azulado». Chegou até nós por via da língua francesa, através da palavra lilas. Em português, escreve-se com s, portanto. 

O plural é lilases, sem acento agudo, pois deixa de ser necessário marcar a vogal tónica, como acontece no singular. Isto porque se acentuam graficamente, em português, as palavras agudas (com tónica na última sílaba) terminadas em -a(s), mas não as palavras graves (com tónica na penúltima sílaba) terminadas em -e(s). Estas regras ortográficas aplicam-se igualmente ao adjetivo que designa algo de cor arroxeada, entre o rosa e o violeta.

Assim, escreva-se, sempre:

singular - lilás

plural - lilases



05 maio 2023

Dia Mundial da Língua Portuguesa

 


Para assinalar o Dia Mundial da Língua Portuguesa, apresento-vos os livros que já escrevi sobre o nosso idioma. Foram publicados em Portugal pela Editorial Verbo, pela Editora Planeta e pela Presença / Manuscrito.

18 abril 2023

Proposital ou propositado? E o verbo "reticenciar" existe?

Já vos aconteceu isto?

Por vezes, ouço usar (ou leio) certas palavras e sou levada a desconfiar da sua existência nos dicionários. Parece-me que a pessoa que a empregou tomou a liberdade de a inventar, por ser a primeira vez que deparo com esse vocábulo. Creio que a estranheza que me provoca advém do facto, contraditório, de essa palavra estar bem formada e, ao mesmo tempo, ter um aspeto ou uma sonoridade algo bizarra. Hoje aconteceu-me isso, ao deparar com o termo "proposital" no trabalho de uma aluna. Estive quase para o corrigir, propondo antes propositado. Porém, como essa aluna é brasileira, decidi verificar primeiro se aquele (para mim insólito) adjetivo, formado como "intencional", estaria dicionarizado. Já aprendi que o português do Brasil é suficientemente diferente do português europeu para ser sempre recomendável fazer essa verificação. E proposital é, realmente, um adjetivo legítimo no português brasileiro. Aquele teria sido o único senão num texto que, de resto, estava perfeito. Afinal, não tinha nem esse senão. Nota 20 para o trabalho!

Prossegui com as minhas tarefas e, daí a pouco, estava a ouvir a gravação de uma entrevista que tinha feito a um contador de histórias. A dado momento, ele referiu-se à forma particular de narrar de outro contador, explicando que ele "reticenciava" as frases. Surgiu-me, portanto, a dúvida: ao transcrever aquela intervenção, eu deveria usar aspas, por se tratar de um neologismo, ou grafar a palavra normalmente? Abri novamente a página da Infopédia e confirmei: o verbo "reticenciar" também está dicionarizado!

Gosto que isto me aconteça. É uma surpresa agradável, que me permite ampliar o conhecimento lexical, sendo também um alerta para a importância de dar aos outros, sejam quem forem, o benefício da dúvida.





12 fevereiro 2023

Luísa Ducla Soares é uma daquelas pessoas que dispensa ou dispensam apresentações?

 


Luísa Ducla Soares é uma daquelas pessoas que ___ apresentações.

Que opção escolheriam para completar a frase acima?

a) dispensa     b) dispensam


Creio que algumas pessoas tendem a escolher a opção a), confiando que o singular é mais adequado, tendo em conta que o sujeito mais importante da frase é Luísa Ducla Soares, correspondente à 3.ª pessoa do singular.

No entanto, quando queremos caracterizar uma pessoa, coisa ou situação, associando-a a um grupo de outras que têm as mesmas características, dizendo que é “daqueles” ou “daquelas que”..., o verbo que se segue tem de estar sempre no plural.

O predicado, efetivamente, concorda com o sujeito. Mas o verbo usado a seguir à palavra que tem de estar no plural, por concordância com a expressão que está antes - “daquelas pessoas” - uma vez que o pronome que representa esse sujeito plural: Daquelas pessoas que não precisam de apresentações, Luísa Ducla Soares é uma (delas).

Ao fazermos esta inversão de constituintes na ordem da frase, percebemos que nela existem duas orações, cada qual com o seu sujeito e o seu predicado:

1. Luísa Ducla Soares é uma daquelas pessoas - oração subordinante (principal), com um sujeito singular (Luísa Ducla Soares).

2. que não precisam de apresentações - oração subordinada adjetiva relativa restritiva, introduzida pelo pronome relativo que (sujeito plural, pois representa a expressão "daquelas pessoas", presente na oração anterior).

Portanto, mesmo que estejamos a falar de uma só pessoa, coisa ou situação, se optarmos por dizer que é daqueles que... ou daquelas que..., temos de conjugar o verbo plural: fazem, dizem, merecem, trabalham, etc.

Se queremos, realmente, destacar o caráter único de tal sujeito, então devemos usar uma construção mais simples, na qual o pronome que se refira a essa pessoa, para que o verbo possa estar no singular: Luísa Ducla Soares é uma pessoa que dispensa apresentações.

Espero não ser uma das pessoas que contribuem para vos confundir!


17 junho 2022

"Volte sempre que..." - com vírgula ou sem?

Como sabemos, a vírgula pode fazer uma grande diferença em certas frases, alterando completamente o seu significado.

No caso desta mensagem do Lidl, a vírgula (que deveria ser usada imediatamente antes da palavra que) faz falta na frase, pois marca a fronteira entre a oração principal («Volte sempre») e a oração subordinada explicativa, iniciada pela conjunção que.

«Volte sempre, que já estamos com saudades.»

Por outras palavras, sugerimos ao/à cliente que "volte sempre", pois sentimos a sua falta, assim  que este/esta se vai embora.

Note-se que, neste tipo de frase, a palavra que pode ser substituída pela conjunção porque, na medida em que introduz o motivo ou explicação da oração anterior:

«Volte sempre, (por)que já estamos com saudades.»

Portanto, esta é uma boa maneira de saber se a conjunção que requer vírgula ou não: se for substituível por porque, ficamos a saber que sim.

Para que fosse correta a ausência de vírgula entre as palavras sempre e que, teríamos de ter uma frase de outro tipo. Por exemplo:

«Volte sempre que quiser.»

ou

«Venha à nossa loja, sempre que lhe apetecer.»

Nestes casos, a palavra que não é uma conjunção explicativa. Faz parte da locução subordinativa temporal sempre que e é por isso mesmo que não deve ser precedida por uma vírgula, pois esta quebraria a ligação entre os seus dois termos. 

Pode, porém, haver vírgula antes da palavra sempre: essa vírgula separa, com toda a legitimidade, as duas orações.

«Venha à nossa loja» - oração subordinante

«sempre que lhe apetecer» - oração subordinada temporal.




23 maio 2022

Conselheira é o feminino legítimo de conselheiro!



Não acham ridículo que o Word for Windows nos ofereça uma advertência gramatical tão desadequada?

Em vez de aceitar a flexão do nome conselheiro no feminino, considera que a expressão "fiel conselheira" está errada porque o adjetivo deve concordar com o nome! Ora, o adjetivo fiel é invariável, pelo que tanto se pode aplicar a conselheiro como a conselheira. 

O que o corretor não aceita, obviamente, é que haja conselheiras... daí que nos proponha, como forma correta da expressão, "fiel conselheiro". Mas, como não existe uma justificação gramatical para tal correção, oferece uma razão absurda para justificar o sexismo! Inaceitável...



 

11 abril 2022

"Ó" não é o mesmo que "oh"!

Já aqui falámos sobre a diferença entre "oh" e "ó", num breve esclarecimento publicado em 2007. 

Porém, hoje não resistimos a fazer outra chamada de atenção relativamente à grafia diferente destas duas interjeições, porque acabamos de verificar, com surpresa, que nas várias edições da obra A Maior Flor do Mundo, de José Saramago, a palavra oh está erradamente grafada, na seguinte passagem:


«Ó que feliz ia o menino!»

(Saramago, 2016, p. 17)

Não existirão dúvidas quanto ao facto de que, aqui, a exclamação expressa alegria, admiração, encantamento, emoção positiva. Portanto, a palavrinha em causa deveria estar escrita com h e sem acento agudo: oh. Só faria sentido empregar ó se houvesse um chamamento, uma invocação. Ora, o narrador está apenas a expressar o que sente, não está a dirigir-se a ninguém. Assim, a grafia correta é:


Oh, que feliz ia o menino!

ou 

Oh! Que feliz ia o menino!

Note-se que, após proferirmos a interjeição oh, fazemos naturalmente uma pausa, pelo que se recomenda o uso de pontuação logo a seguir: vírgula, ponto de exclamação ou mesmo reticências. Neste último caso, a exclamação terá um tom mais arrastado, por expressar um sentimento de melancolia, desilusão ou tristeza. Isso não se aplica neste contexto, mas as reticências poderiam, por exemplo, ser usadas aqui:

Oh… Já não fui a tempo!

Voltando à frase de A Maior Flor do Mundo… Terá sido erro do autor ou dos revisores e editores?

Não sabemos. Nem importa. Seja como for, todos temos direito ao equívoco, ao engano, ao erro – pessoas comuns e conhecidas, escritores pequenos e grandes, autores anónimos ou consagrados. O que importa é estarmos dispostos a identificá-lo e a corrigi-lo.

 

Referência: José Saramago, A Maior Flor do Mundo. Porto: Porto Editora, 2016. [O texto foi publicado pela primeira vez em 2001, pela editorial Caminho]

Imagem retirada da página WOOK, onde o livro pode ser encomendado: https://www.wook.pt/livro/a-maior-flor-do-mundo-jose-saramago/16467570

 



30 março 2022

Perseverança e não "preserverança"

O norte-americano Samuel Adams (representado na estátua de bronze que se vê na fotografia, da autoria da escultora Anne Whitney) ficou para a história, em virtude da sua perseverança patriótica e revolucionária contra as imposições da coroa britânica, em 1770.

Perseverança, sublinhemos, pois muita gente comete o erro de dizer e escrever "preserverança".

Todavia, não censuremos quem se engana! É um fenómeno natural e recorrente no uso da língua pronunciar certas palavras menos familiares (e depois grafá-las) com base numa relação analógica com outras, mais conhecidas.

Assim se explicará, talvez, que o esparguete tenha assumido aquele <r> no fim da segunda sílaba: os falantes terão pensado que o termo tem afinidade com o vocábulo espargo... Afinal,  este tipo de massa tem uma forma semelhante (cilíndrica, comprida e fina) e a terminação "-ete" faz lembrar um sufixo de grau diminutivo. Assim, do spaghetti tornado espaguete (como ainda se diz e escreve no Brasil), passámos ao esparguete, variante inicialmente condenada como uma corruptela, mas hoje perfeitamente aceite em Portugal. É que o erro ou desvio linguístico, muitas vezes, acaba consagrado pelo uso.

No caso de "perseverança", porém, isso ainda não aconteceu. Essa grafia ainda não foi legitimada pelos dicionários. O nome perseverança vem do latim perseverantĭa- e não está relacionado com o verbo preservar (essa associação é, provavelmente, a causa do erro), mas antes com o verbo perseverar, que é persistir, manter-se firme.

Não sejamos, pois, perseverantes no erro! Pelo menos, enquanto este não se legitima...




23 julho 2021

Concordância com a conjunção "ou"

 


Confirmei hoje, pela enésima vez, que a palavra "arguência" não está atestada, apesar de ser muito usada em vez de arguição, que é o termo correto.

Porém, o motivo que me leva a partilhar convosco esta informação, disponibilizada na Infopédia, é a instrução fornecida na página: «Verifique se a palavra ou expressão introduzidas estão bem escritas e pesquise novamente».

É que a conjunção ou pressupõe que os termos se excluem mutuamente (neste caso, só se verifica uma possibilidade, entre duas: a) o utilizador digitou uma palavra; b) o utilizador digitou uma expressão). 

Logo, o plural que é usado em seguida está em discordância com esse sujeito singular: o adjetivo participial introduzidas  e o predicado estão bem escritas implicam que o utilizador teclou, afinal, uma palavra e uma expressão. Mas não é isso que indica a conjunção ou, nem o plural faria sentido no contexto de uma pesquisa deste tipo.

Portanto, corrija-se a instrução para: Verifique se a palavra ou expressão introduzida está bem escrita e pesquise novamente.



25 junho 2021

"Porque" explicativo e "porque" causal (e diferença entre oração coordenada e subordinada)



Alguma vez se perguntaram qual a diferença entre porque explicativo e porque causal?

E já se questionaram sobre o motivo por que uma oração explicativa é coordenada e uma causal é subordinada?

Caso tenham respondido "sim" a ambas as perguntas, espero conseguir dissipar as vossas dúvidas com esta explicação!

Porque explicativo

Uma explicação expressa um esclarecimento,  elucida. Assim, a conjunção porque é explicativa na seguinte frase:

Ela sente-se feliz, porque tem um sorriso nos lábios.

(Após a palavra porque, explico em que sinal me baseei para concluir que ela se sente feliz).

Estas orações ("Ela sente-se feliz" e "tem um sorriso nos lábios") são coordenadas, isto é, cada uma delas tem um sentido acabado e nenhuma depende da outra. Por outras palavras: a) eu vejo que ela está feliz; b) eu vejo que ela tem um sorriso nos lábios. 

Seria absurdo dizer que a segunda oração depende da primeira para fazer sentido, pois o facto de ela ter um sorriso nos lábios não pode ser a "causa" da sua felicidade.

Porque causal

Uma causa exprime a origem, o motivo, a razão pela qual algo acontece. Então, a conjunção porque é causal nos contextos em que introduz o motivo pelo qual sucede a ação expressa na oração anterior. Por exemplo na frase seguinte:

Ela sente-se feliz, porque está de férias.

(Estar de férias é a causa da felicidade dela).

Estas orações estabelecem entre si uma relação diferente da que vimos atrás, pois o facto de estar de férias é determinante para ela se sentir feliz. Portanto, a segunda oração é subordinada,  ou seja, completa o sentido da primeira. Isto pode ser comprovado através de um teste que consiste em trocar a conjunção porque pela palavra por:

Ela está feliz por estar de férias.

Neste caso, percebemos facilmente que a oração infinitiva "estar de férias" não poderia, por si só, constituir um frase aceitável, pois depende da anterior para fazer sentido.

O engraçado é que existem frases em que porque tanto pode ser explicativo como causal, dependendo da interpretação de quem ouve/lê, ou (talvez melhor) do sentido que realmente lhe quis dar quem escreveu ou proferiu essas palavras. Ora reparem:

a) Ela está preocupada, porque tem comido muito.

(Valor explicativo: eu concluo que ela está preocupada, porque ela tende a comer muito sempre que alguma coisa a preocupa).

b) Ela está preocupada, porque tem comido muito.

(Valor causal: comer muito é o motivo de preocupação dela, pois sabe que vai engordar e prejudicar a sua saúde).

Reparem como apenas no segundo caso temos uma relação de dependência da segunda oração em relação à primeira: "Ela está preocupada por estar a comer muito". Esta formulação apenas permite a interpretação causal, ajudando-nos a compreender que se trata, garantidamente, de um caso de subordinação.

Espero ter ajudado quem confunda porque explicativo com porque causal e também quem tenha dificuldade em entender a diferença entre conjunções coordenadas e conjunções subordinadas. 😃


23 junho 2021

"De que se trata" - sem mais!

A certa altura, nesta entrevista, o "Gerador" pergunta a Alastair Fuad-Luke: "De que se trata esta mudança?"

Esta questão estará formulada corretamente?

A resposta é não. A expressão tratar-se de é impessoal, não pode ter sujeito. Se queremos referir expressamente o sujeito (no caso em apreço, esta mudança), então teremos de perguntar, por exemplo, "Em que consiste esta mudança?", porque estaremos a cometer um erro sintático ao empregar a expressão tratar-se de seguida de um sujeito.

Se, em contrapartida, preferimos começar a pergunta com a expressão "De que se trata", então digamos apenas isso: "De que se trata?"

Do mesmo modo, a resposta não deverá começar assim: "Esta mudança trata-se de...", pois aí também há erro sintático. Novamente, vale utilizar o verbo consistir para o evitar ("Esta mudança consiste em..."), ou empregar apenas a expressão "Trata-se de..."

Simples, não?

(Imagem de Bill Oxford. Retirada de: https://unsplash.com/ - acesso livre)

15 novembro 2020

Ele foi júri ou foi jurado?

 "Gostaria muito que fosses júri da minha prova"... "Já fui júri num concurso"...

Este tipo de frase ouve-se com alguma frequência e todos percebemos a ideia: que as pessoas em causa fazem parte de um júri.

No entanto, a palavra júri designa um conjunto de pessoas que julgam uma causa (num tribunal), ou que avaliam o mérito de um desempenho, trabalho, obra, etc. (num concurso ou numa prova de avaliação). Logo, uma dessas pessoas não constitui o júri, apenas faz parte desse júri.

 Portanto, quando nos referirmos a alguém que faz parte de um júri, devemos dizer que é um jurado (que significa "membro de um júri")Em alternativa, naturalmente, podemos dizer que essa pessoa integra o júri, ou faz parte do júri, mas nunca devemos dizer que alguém é, foi ou será "júri".

08 novembro 2020

Estasiado ou extasiado?

 Para quem pensava que só existia uma palavra e, por conseguinte, uma grafia possível, aqui fica o esclarecimento:

estasiado - segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, significa «que tem muita sede, sedento, sequioso», mas também «ressequido, seco». O exemplo que este dicionário fornece é "solo estasiado". A origem desta palavra, ao que parece, é obscura. (Aliás, pode gerar confusão a ideia de que este adjetivo tem relação com o nome estase, de origem grega, cujo sentido se prende com a fixidez - com o que é estático - e com o ato de pôr de pé). 

extasiado - este adjetivo, por seu turno, consiste no particípio passado do verbo extasiar e significa «que se extasiou, enlevado, arrebatado, encantado». Morfologicamente, é composto pelo nome êxtase, pelo sufixo verbal -ar e pelo sufixo flexional -do.

Portanto, o rapazinho da foto ficou extasiado quando viu o bolo de aniversário que a mãe fez para ele. E, como ele não quis que ninguém o comesse, para que não fosse destruído, o bolo acabou por ficar estasiado, ao fim de uns meses... 😅

13 agosto 2020

Bem disposto ou bem-disposto?


 A diferença entre usar e não usar hífen é subtil, mas existe.

O dicionário recomenda que se use bem-disposto como adjetivo, para caracterizar alguém que é prazenteiro, ou que está alegre, bem-humorado (por exemplo na frase «Ele está sempre bem-disposto»).  Nestes contextos, o termo composto pode ser substituído por outro adjetivo com o mesmo significado, como alegre ou divertido.

Porém, o dicionário nada nos diz sobre o eventual uso da locução "bem disposto", pois aí temos já duas palavras, em vez de um vocábulo formado por composição. Para vos elucidar, digo-vos eu o seguinte:

Podemos formar frases corretas em que estas duas palavras surgem seguidas. Basta que utilizemos o advérbio bem para reforçar a ideia da disposição (ou o grau de disposição) patente no adjetivo disposto. Por exemplo, na frase «Ele parece bem disposto a fazer isso!». Note-se como, aqui, o adjetivo pede algo mais, pois rege preposição a, seguida de um verbo (como fazer).

Neste caso, podemos substituir a palavra bem por outro advérbio («Ele parece muito disposto a fazer isso!», «Ele parece extremamente disposto a fazer isso!»). Na primeira frase, essa substituição seria estranha, pois tornaria a frase incompleta. Se dissermos "Ele está sempre muito disposto», os nossos interlocutores quererão saber "A quê?".


Portanto, se o que pretendemos é qualificar uma pessoa de divertida, prazenteira, bem-disposta, o hífen é essencial na escrita.


22 julho 2020

Evitar estrangeirismos desnecessários


    Julgo que é consensual a ideia de que falar e escrever bem em português significa, entre outras coisas, não abusar de palavras estrangeiras.
    Se somos capazes de traduzir essas palavras e se os termos correspondentes, em português, são simples e fáceis de interpretar, optar por usar os estrangeirismos pode ser considerado um sinal de preguiça, de pedantismo ou de desconsideração pelo idioma nativo.
    Há casos, é verdade, em que se torna mais natural e acessível usar a palavra estrangeira, porque é aquela que toda a gente conhece e usa. Isso justifica-se sobretudo quando não existe um só vocábulo que tenha exatamente o mesmo sentido em português. Eis alguns exemplos:

cocktail – cacharolete (alguém saberia o que isto significa?!)
e-mail – mensagem de correio eletrónico (demasiado comprido!)
marketing – divulgação ou promoção de produtos (ninguém vai perceber)
pen – dispositivo USB (um tanto ambíguo...)
t-shirt – camisola de mangas curtas (pois... mas há tantas de feitios diferentes!)
selfie – autorretrato tirado com um telemóvel (se dissermos isto, parece brincadeira!)
take-away – venda de produtos para levar (demasiado complicado!)
very-light – foguete de pistola (demasiado estranho!)

    No entanto, há muitas situações em que preferir o termo inglês ou francês é desnecessário e até desprestigiante. Se o fazemos apenas porque o estrangeirismo soa melhor, por ignorância ou por preguiça, mais vale traduzir! Se quiserem fazer esse pequeno esforço, deixo-vos aqui uma lista com estrangeirismos que desaconselho e os respetivos equivalentes em português. Sei que, em alguns casos, é uma questão de boa vontade. Mas a língua portuguesa merece, não acham?

alien – ET, extraterrestre
expert – especialista, perito
fazer download – transferir
fazer delete – apagar
fazer um scan – digitalizar
pack – conjunto, pacote
password – senha, código
performance – desempenho, prestação
set – conjunto
show – espetáculo
template – modelo, minuta, guião, formulário
top – fantástico, excelente, cinco estrelas
username – nome de utilizador
workshop – oficina, curso prático

17 novembro 2019

Sinónimos para (quase) todas as ocasiões



   Já se deram conta, certamente, de que há muitas palavras que repetimos n vezes, porque dão muito jeito. Por exemplo, achar, estar, muito, coisa, vez, giro, interessante… Ora, se tivermos de escrever uma composição, uma carta formal, um trabalho ou outro texto que exija uma linguagem mais cuidada, ou se tivermos de fazer uma apresentação oral, convém que evitemos usar essas palavras muitas vezes.
   Para variar o vocabulário, podemos, claro, consultar dicionários de sinónimos e ler bons livros com frequência. Porém, uma vez que existem situações em que temos pouco ou nenhum tempo para fazer pesquisas, deixamos aqui uma pequena “cábula” com várias opções para evitar repetir algumas das palavras mais comuns. É claro que nem todos os sinónimos servem para substituí-las nos mesmos contextos – terá de se aferir quais é que podem ser utilizados em cada ocasião.
   Quem quiser empenhar-se nisto um pouco mais, pode criar uma lista semelhante a esta, à qual depois poderá ir acrescentando outras palavras que o próprio tenha tendência para repetir, assim como mais sinónimos para cada uma, à medida que os for descobrindo.
Boa escrita e... divirtam-se!


  • achar – encontrar, considerar, crer, julgar, descobrir, determinar, reconhecer
  • bom – agradável, aprazível, apropriado, adequado, certo, correto
  • coisa – aspe(c)to, característica, componente, elemento, obje(c)to
  • diferente – contrário, desigual, distinto, díspar, dissemelhante, diverso, oposto
  • dizer – alvitrar, deliberar, determinar, observar, opinar, proferir, pronunciar
  • giro – airoso, belo, bonito, formoso, elegante, gracioso, interessante
  • igual – afim, análogo, idêntico, paralelo, parecido, semelhante, do mesmo género
  • interessante – aliciante, entusiasmante, estimulante, intrigante, cativante
  • muito – assaz, bastante, consideravelmente, intensamente, enormemente
  • pensar – avaliar, considerar, deliberar, estimar, meditar, ponderar, refle(c)tir
  • vez – chance, ensejo, momento, ocasião, oportunidade, situação, turno



31 janeiro 2019

Fluida ou fluída? Fluido ou fluído?



Preparava-me para publicar um pequeno texto no Facebook quando o corretor ortográfico sublinhou a vermelho uma das palavras: era o adjetivo feminino fluida. Cliquei no botão do lado direito do rato e apareceu a sugestão: fluída. 
Estranhei. O adjetivo fluido (bem como a sua forma feminina fluida) escreve-se sem acento gráfico, porque se pronuncia com ditongo na sílaba tónica: [uj] (como na palavra descuido). Trata-se de uma palavra com duas sílabas: flui-do.

É certo que muitas pessoas dizem "fluído" e "fluída", em vez de fluido e fluida, por exemplo em frases como "o discurso deve ser fluído", ou "a leitura deve ser fluída", mas isso não é correto. Será que o corretor automático também está errado? Na verdade, este assunto tem um pouco mais que se lhe diga...

Vejamos: dizer e escrever fluído em vez de fluido é um erro sempre que se esteja a empregar a palavra como adjetivo ou nome. Só nos casos em que se trata do particípio passado do verbo fluir é que se pode escrever a palavra com acento. Então, sim, pronuncia-se sem ditongo, pois a sílaba tónica é constituída apenas pela vogal [i] (como na palavra roído). Esta tem três sílabas: flu-í-do.

Sistematizando, vejamos quando usar uma e outra forma:

a) fluido/a (sem acento agudo) - quando é um adjetivo ou um nome (masculino). Exemplos:

              Um discurso fluido torna-se mais agradável e cativante.
              Para que a leitura seja fluida, o texto tem de estar bem organizado.
              No próximo semestre terei a cadeira de Mecânica dos Fluidos.

b) fluído (com acento agudo) - quando é o particípio passado do verbo fluir. Exemplo:

              O facto de o rio ter fluído por aí, em tempos, faz com que a vegetação nessa zona seja mais verdejante do que nos terrenos à volta.

Concluindo: faltavam, no dicionário do corretor automático, as palavras fluído(s)fluída(s), que lhe acrescentei. Em todo o caso, será sempre preciso ter atenção, no uso destas formas derivadas do verbo fluir: o segredo está no contexto.

02 dezembro 2018

Filhós e filhoses - a norma e o uso... outra vez!


O José Pedro Vasconcelos tinha tido recentemente uma discussão com a Tânia Ribas de Oliveira sobre a palavra filhós: seria esta o plural (de filhó) ou o singular (sendo filhoses o plural)?

Quando me entrevistaram no programa Agora Nós, no dia 29 de N/novembro de 2018, ele aproveitou para me perguntar qual era a forma correta. Ora, eu dei a resposta que me pareceu desejada: disse que filhó era o singular e filhós o plural.
Porém, o José Pedro tinha feito umas pesquisas na Internet e descobriu que já na década de 1960 Rebelo Gonçalves reconhecia que filhoses era um plural tão usado, inclusivamente por certos escritores que reproduziam nas suas obras o discurso popular, que se podia considerar como variante. Assim, a palavra tem hoje duas formas possíveis:

singular: filhó /  plural: filhós
singular:  filhós / plural: filhoses

Isto é perfeitamente aceitável e é o que acontece numa língua viva, usada (e abusada também!) diariamente por milhões de pessoas. Como eu tinha referido, no início da minha intervenção, a língua é democrática - é o conjunto de falantes que acaba por decidir para onde vai e como vai (e isto é um facto e não uma opinião...).

No entanto, quando as pessoas me perguntam "qual é a forma corre(c)ta?", parto do princípio de que querem saber qual é a mais rigorosa, a mais antiga, a mais legítima do ponto de vista etimológico, histórico, gramatical, etc. E essa, neste caso, é filhó. Vem do latim foliōla, ou foliōlu-, diminutivo de "folha", que significava "bolo folhado". A forma filhoses (que deu origem ao singular filhós) é popular e consagrou-se pela generalização do uso equivocado (tal como esparguete, bêbado, púdico, febra e tantas outras). Aliás, como observou Carolina Michaelis, este vocábulo foi masculino e dizia-se, em tempos antigos, «não vai por aí a gata aos filhós»(1).

Em todo o caso, o que sucede é que, quando eu começo por dar como resposta à tal pergunta que "ambas as formas são possíveis", as pessoas costumam ficar descontentes e desconfiadas. "Não pode ser!", dizem. "Tem de haver uma forma mais corre(c)ta do que a outra!" Por outras palavras, tenho a sensação de que, se eu tivesse dado essa resposta, o José Pedro teria contraposto às minhas palavras a evidência de que, afinal de contas, filhó é a forma do singular mais legítima, e o plural filhós é o mais corre(c)to!



(1) - Machado, José Pedro,Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa: Horizonte, 1.ª edição: 1952, 6.ª edição: 1990.

Nota - apresento neste texto as duas grafias alternativas (pré- e pós-) para as palavras que foram afe(c)tadas pelo Acordo Ortográfico de 1990.

18 outubro 2018

Podemos "enveredar esforços"?

Há quem diga que vai "enveredar esforços" para atingir determinado objetivo. Será apropriada tal combinação de palavras?
Não! Trata-se de um erro que deriva da confusão entre os verbos enveredar e envidar. Se são parecidos na forma, a verdade é que o significado destes verbos é bastante diferente, assim como o modo de os utilizar em frases.

Enveredar vem de vereda, que é um caminho. Portanto, significa meter-se por uma vereda, fazer-se ao caminho, encaminhar-se. Rege a preposição por e pode ser usado em sentido literal ou em sentido figurado. Leiam-se, a título de exemplo, as frases seguintes:

a) Para poupar tempo, enveredou por um atalho.
b) Infelizmente, acabou por enveredar por maus caminhos e nunca conseguiu vingar na vida.

Envidar significa convocar e deriva do mesmo verbo latino que deu origem ao verbo convidarinvitãreUsa-se com o sentido de recorrer a esforços, empregar meios ou empenhar-se, no sentido de atingir algum objetivo. Por exemplo nas frases seguintes:

c) Vamos envidar todos os meios ao nosso alcance para combater este flagelo.
d) O Ministro garantiu que envidaria os recurso necessários para resolver o problema.

Conclui-se, assim, que dizer "vou enveredar esforços" não só é um erro lexical, porque o verbo não tem o significado que se aplicaria nesse contexto, como é também um erro sintático, uma vez que se envereda "por algum lado", mas não se envereda "alguma coisa".

17 outubro 2018

Para acabar de vez com o mau português!

Saiu hoje o meu novo livro, que faz uma abordagem diferente, mais leve e bem-humorada, à problemática dos erros frequentes. Isto porque acredito que, nestas questões de correção linguística, quem oferece explicações cai facilmente num discurso demasiado técnico, denso e maçador, que não só custa a entender, como aborrece que ouve ou lê.

Assim, nesta obra apresento diálogos "reais", ou pelo menos prováveis, que permitem perceber em que situações concretas é que essas incorreções podem surgir no dia a dia e dificultar a comunicação.

Espero que muitos leitores o considerem útil e que se divirtam com este meu novo trabalho, que apresenta ilustrações da minha irmã, Marta Leite.

Aproveito para divulgar o convite para o lançamento, que será na próxima semana, em Lisboa, na Livraria Bertrand do Centro Comercial das Amoreiras, às 18h.30m. A apresentação do livro será feita pelo meu amigo e ex-professor, Gustavo Rubim.

06 abril 2018

Podermos ou pudermos?


          Na escrita das diferentes formas do verbo poder, alternam-se as vogais o e u. A melhor forma de saber quando utilizar cada uma destas vogais ao conjugar o verbo poder é fixar a regra seguinte: quando o som da letra e é fechado (soa como o e de vera palavra escreve-se com o; quando o som da letra e é aberto (soa como o e de perto), a palavra escreve-se com u.
            Veja-se, assim, como têm um som diferente as formas que se costumam confundir, como as seguintes flexões do Futuro do Conjuntivo (que se usa em frases com a conjunção se) e do Infinitivo Pessoal (que se usa com preposições como para, de, por, etc.):

1.      Se eu puder ir, avisar-te-ei. (Futuro do conjuntivo)
2.      Para eu poder ir, terás de me dar boleia. (Infinitivo pessoal)

3.      Se não pudermos ir, será uma pena. (Futuro do conjuntivo)
4.      Estou contente por podermos ir. (Infinitivo pessoal)

5.      Se eles puderem ir, será melhor. (Futuro do conjuntivo)
6.      O facto de eles poderem ir é excelente. (Infinitivo pessoal)

        Portanto, quando tiver dúvidas, experimente dar atenção à qualidade da vogal correspondente à letra e. Se abrir mais a boca para a pronunciar, escreva a palavra com u. Se a sua boca ficar mais fechada ao pronunciá-la, escreva a forma verbal com o.


21 março 2018

De mais ou demais? Esclareçamos esta dúvida de uma vez por todas!


DEMAIS

            A palavra demais pode usar-se em vários contextos, com vários significados. Tem, antes de mais (!!), a utilização de advérbio, significando o mesmo que "demasiado" ou "demasiadamente", mas também é usada com o sentido de "muitíssimo" (qualificando enfaticamente uma ação, um modo ou uma qualidade). Nestes contextos, a palavra demais serve para modificar verbos, advérbios e adjetivos. Por exemplo, nas frases seguintes:

            (1) Ontem comi demais ao jantar. (Ou: "Ontem comi demasiadamente")
            (2) Isso é mau demais! (Ou: "Isso é muitíssimo mau!")

            É comum usar-se demais como com o mesmo sentido de "muitíssimo" (ver frase 2), mas sem referir qualquer adjetivo. Portanto, fazendo desta palavra um adjetivo:

            (3) Esse filme é demais! (Ou: "Esse filme é muitíssimo giro/bom/divertido!")

            Demais também se pode usar, como palavra só, com o mesmo sentido de "além disso", embora essa utilização não seja muito frequente. Neste caso, é talvez mais comum ouvir-se a expressão "demais a mais". Por exemplo:

(4) Não me apetece sair. Demais, estou sem dinheiro. (Ou: "Além disso, estou sem
      dinheiro")
(5) Não me apetece sair. Demais a mais, estou sem dinheiro.

            Finalmente, demais pode ser um pronome ou determinante demonstrativo, cujo sentido é idêntico a "os restantes" ou "os outros". Neste caso, é sempre precedido pelo artigo o(s). Por exemplo:

(6) O Marco e os demais rapazes do grupo ficaram calados. (Ou: "O Marco e os outros
      rapazes do grupo")

DE MAIS

            Quando falamos de quantidade depois de termos referido um nome (ou substantivo), devemos usar a locução "de mais", porque não seria lógico empregar o advérbio demasiadamente nem o advérbio muitíssimo após o nome (por exemplo, nas frases: "Pus açúcar demasiadamente no café" ou "Tenho dúvidas muitíssimas").
A locução de mais significa, então, "em número excessivo" ou "em quantidade excessiva". Nestes casos, pode ser substituída pelas locuções em excesso e em demasia, que também serve para modificar nomes. Por exemplo, nas frases:

            (7) Pus açúcar de mais no café! (Ou: "Pus açúcar em excesso no café!")

            (8) Tenho dúvidas de mais... (Ou: "Tenho dúvidas em demasia")

              Espero ter ajudado a resolver as vossas dúvidas!

07 fevereiro 2018

Consoantes mudas que já tinham desaparecido em 1945


Para quem não é desse tempo e tem curiosidade de saber que consoantes "mudas" já tinham sido descartadas da nossa ortografia em 1945, aqui fica um excerto com vários exemplos concretos.


Do Acordo Ortográfico de 1945:

Documento n.º 2, ponto 6:

c gutural das sequências interiores cc (segundo c sibilante),  e ct, e o p das sequências interiores pc (e sibilante),  e pt, ora se eliminam, ora se conservam. Assim:
1.° Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos, quer na pronúncia portuguesa, quer na brasileira, e em que não possuem qualquer valor particular: aflição, aflito, autor, condução, condutor, dicionário, distrito, ditame, equinócio, extinção, extinto, função, funcionar, instinto, praticar, produção, produto, restrição, restrito, satisfação, vítima, vitóriaem vez de aflicção, aflicto, auctor, conducção, conductor, diccionário, dístricto, dictame, equinóccio, extincção, extincto, funcção, funccionar, instincto, practicar, producção, producto, restricção, restricto, satisfacção, víctima, victórìaabsorção, absorcionista, adsorção, assunção, assunto (substantivo), cativar, cativo, descrição, descritivo, descrito, excerto, inscultor, inscultura, presunção, presuntivo, prontidão, pronto, prontuário, redenção, redentor, transuntoem vez de absorpção, absorpcionista, adsorpção, assumpção, assumpto, captivar, captivo, descripção, descriptivo, descripto, excerpto, insculptor, insculptura, presumpção, presumptivo, promptidão, prompto, promptuário, redempção, redemptor, transumpto;
2.° Conservam-se não apenas nos casos em que são invariavelmente proferidos (compacto, convicção, convicto, ficção, fricção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto; etc.), mas também naqueles em que só se proferem em Portugal ou só no Brasil, quer geral, quer restritamente: cacto (c interior geralmente proferido no Brasil e mudo em Portugal), caracteres (c interior em condições idênticas), coarctar, contacto, dicção, facto (c geralmente proferido em Portugal e mudo no Brasil), jacto, perfunctório, revindicta, tactear, tacto, tecto (c por vezes proferido no Brasil); assumptível, assumptivo, ceptro, consumpção, consumptível, consumptivo, corrupção, corruptela, corrupto, corruptor, peremptório (p interior geralmente proferido no Brasil, mas predominantemente mudo em Portugal), sumptuário, sumptuoso; [...]

23 agosto 2017

Quem tem medo dos parónimos?

Eis o nosso mais recente livro:  Mais pares difíceis da língua portuguesa.



Dando continuidade ao primeiro volume, apresentamos outros 270 pares de palavras que os falantes de português tendem a confundir, uma vez que se trata de parónimos, isto é, de termos semelhantes na grafia e na pronúncia, com significados bem distintos. Por ordem alfabética, a diferença entre cada par é explicada por meio de definições e exemplos. São tratados, por exemplo, estes termos:

arrestar / arrostar
complementar / suplementar
diretiva / diretriz
encadear / encandear
especificar / explicitar
ficcional / fictício
prático / pragmático
quantidade / quantia
regular / regularizar
ruço / russo
sagrar / singrar
temerário / temeroso
voracidade / voragem

Esperamos que este pequeno contributo seja útil a muitos leitores e utilizadores da língua portuguesa por esse mundo fora!


26 maio 2017

Exercício de revisão ortográfica


Para hoje, proponho aos leitores um exercício de revisão de texto: ler e melhorar a ortografia deste excerto do "Expresso curto":


O único ministro das Finanças que ele alguma vez defendeu publicamente foi Jeroen Dijsselbloem, por acaso o presidente do Eurogrupo, que é uma espécie de porta-voz de Schäuble. Mas para os mais distraídos recomendo vivamente a crónica que o embaixador Seixas da Costa escreve hoje no seu blogue “Duas ou três coisas” (e que vai exactamente no mesmo sentido do que escrevo amanhã para o Expresso).
Diz Seixas da Costa: “Só alguma saloiíce lusitana é que acha que a “teoria económica” da Geringonça é vista com admiração nos círculos preponderantes no Eurogrupo. É claro que eles podem achar curiosos os resultados obtidos, mas ninguém os convence minimamente de que tudo não decorre de um acaso pontual. Para eles, trata-se apenas de um "desenrascanço" conjuntural, fruto de alguma acalmia dos mercados, do efeito das políticas temporalmente limitadas do BCE, do salto das exportações (que entendem nada ter a ver com a ação do governo), do surto do turismo (por azares alheios e sorte nossa, como o “milagre do sol”), bem como do "pânico" de PCP e BE em poderem ver Passos & Cia de volta, desta forma “engolindo sapos” e permitindo ao PS surpreender Bruxelas com o seu seguidismo dos ditâmes dos tratado. 

08 maio 2017

Despesas extras ou despesas extra?


Quando me perguntam qual o plural do adjetivo extra, não posso evitar sentir algum desconforto. Quem pergunta quer uma resposta simples e objetiva, que não deixe margem para dúvidas... mas por vezes a resposta é em si mesma uma dúvida. Agora talvez mais do que antes, pois não me lembro de ter dado com esta disparidade há uns anos, quando fiz uma pesquisa sobre o assunto.

Hoje, o Priberam mostra-nos que, enquanto adjetivo, a palavra extra pode ser flexionada no plural, dando o exemplo das "despesas extras".


Por seu turno, a Infopédia diz-nos que extra é um adjetivo invariável, o que significa que não se altera no plural. Depreende-se, pois, que o correto será "despesas extra".

Então, em que ficamos?!

No meu entender, e pela lógica, o plural do adjetivo extra deveria ser "extras", pois não me parece que haja motivo para defender que esta palavra, se entendermos que se formou por truncação a partir do adjetivo extraordinário, seja invariável. No entanto, também podemos entender que na sua origem está antes um prefixo e, como tal, defender que por esse motivo o adjetivo também é invarável, à semelhança do que sucede com outros os prefixos (por exemplo, mini, hiper, super, etc.), mesmo quando os utilizamos com a função de adjetivos (como na frase "comprei umas cervejas mini").

Neste, como noutros casos, o uso é que acaba por comandar as regras linguísticas e a verdade é que se nota uma certa resistência de muitos falantes quanto à utilização da forma flexionada extras - a menos que seja como nome. Isto é, muitas pessoas dizem, sem hesitar, "o carro vinha com muitos extras", mas preferem falar de "horas extra" ou de "despesas extra".
Daí que a Infopédia ateste isso mesmo. Aliás, sempre me pareceu que este dicionário segue mais o uso (é mais descritivo), comparativamente ao Priberam, que é mais conservador e normativo. Posso estar enganada, claro. Mas é a leitura que faço, a partir das minhas consultas a um e a outro.

Então, quando encontramos num e noutro dicionário - como neste caso - informação contraditória, o que devemos fazer?
Bom... depende do tempo que tenhamos. Se há pressa, talvez seguir o nosso instinto e escolher a forma que nos soa melhor. Se há tempo, procurar desempatar, usando uma terceira fonte de consulta!






31 março 2017

Escrever em português correto no Programa "Alô, Portugal", na Sic Internacional


Hoje vou apresentar o meu novo livro em direto, no programa Alô Portugal, na Sic Internacional.
Tenho estado a tentar prever que perguntas o José Figueiras me vai fazer e acabei por redigir uma espécie de guião da entrevista, para me preparar. Aqui ficam as perguntas que imaginei e as respostas que pensei dar, pois é provável que a entrevista real seja diferente!


«Este livro é mesmo sobre escrever TUDO? E o que significa escrever corretamente?»
TUDO, sim, no sentido em que, apesar de serem contemplados “apenas” 20 tipos de texto diferentes, este livro pode ser tomado como uma base, uma referência, para depois aplicar a outros tipos de texto. Digamos que é adaptável a outros géneros, nesse sentido, porque fala de aspetos gerais, além dos aspetos específicos de cada tipo de texto em particular.
Escrever corretamente é de facto aplicar com rigor as regras gramaticais, expressar-se com correção, mas não é só isso. Também significa atingir o objetivo, por exemplo, persuadir o leitor de alguma coisa; respeitar as convenções próprias de cada tipo de texto, como o registo em que deve ser escrito, a estrutura que deve ter, etc.; demonstrar cortesia e respeito para com os destinatários do texto, no sentido de procurar corresponder às suas expectativas. Isso normalmente significa construir o texto de modo a facilitar a compreensão das ideias, mas nem sempre, ou não necessariamente, porque, no caso dos textos literários, o leitor pode não esperar nem desejar que isso aconteça, provavelmente prefere encarar o texto como uma espécie de enigma, de jogo de decifração.
«E o Acordo Ortográfico? Já vi que segue as novas regras… isso significa que é a favor?»
Não, de todo. Eu não sou a favor do AO simplesmente porque não faz aquilo que se propõe fazer, que é unificar a ortografia do português usado no mundo. Não acredito que isso seja possível, já para não entrar na questão de fazer ou não fazer falta. Só se pode dizer que o AO uniformiza a ortografia do português global se concordarmos que os inúmeros casos de dupla grafia são um aspeto aceitável dessa uniformização. Pessoalmente, acho que isso não faz sentido. E foi, no fundo, para frisar que as diferenças permanecem que incluí no meu livro um exercício que consiste em descobrir, num texto de 177 palavras, as 20 palavras que vão continuar a escrever-se de maneira diferente, nas variedades europeia e brasileira (p. 67).
Agora, não sendo a favor do AO, sigo-o. Porque acho é que é um luxo, hoje em dia, uma pessoa recusar-se a seguir o AO, nem todos podem fazer isso. Eu, como professora e como mãe, acho que não posso, porque a minha responsabilidade é ajudar os meus filhos e sobretudo os meus alunos a adaptarem-se às novas regras – porque tenho muitos alunos adultos que aprenderam regras diferentes, tal como nós, e ainda têm alguma dificuldade em escrever o “novo português”. No entanto, as mudanças também não são assim tantas – ao que parece, o AO altera cerca de 1,6% das palavras, em Portugal, e 0,5% no Brasil – e há por aí muitos mitos sobre o AO que levam as pessoas a terem muitas dúvidas porque há supostas “regras novas” que na verdade não existem… Isso leva muita gente a sentir que é contra o AO, sem ter sequer uma ideia exata do que é que muda.
«Quer dar exemplos?»
Sim, há o caso engraçado do cágado, que algumas pessoas ainda pensam que vai tornar-se numa palavra feia, porque se passa a escrever sem acento, o que é mentira! Também não é verdade que os portugueses tenham de escrever facto ou contacto sem o c antes do t. Porque a ideia generalizada é a de que vamos escrever como no Brasil, ou "ceder" à maneira de falar e de escrever dos brasileiros, e isso não é verdade. Aliás, muitas palavras passam a escrever-se de maneira diferente precisamente porque respeitam a pronúncia diferente que elas têm em Portugal e no Brasil – por exemplo recepção, perspectiva, contacto.
«E o espectador… ou espetador?!»
Pois... tal como expectativa e característica, esse é um caso de dupla grafia para Portugal, uma vez que no Brasil não se escreve espetador porque o c é sempre pronunciado. Em Portugal, na norma dita culta, há oscilação na pronúncia da palavra: há quem diga espetador e há quem diga espectador e ambas as formas são consideradas corretas, portanto não é linear que a consoante antes do t seja muda. Quem quiser pode continuar a escrever espectador… mas teoricamente deveria pronunciar a palavra em conformidade, ou seja, dizendo o [k]. Segundo a lógica do AO, não faz sentido dizer espetador e escrever espectador, mas claro que quando se é contra o AO isso faz todo o sentido!
«E no seu livro apresenta esclarecimentos ou apenas exercícios sobre o AO?»
Há exercícios, para que as pessoas possam perceber se têm ou não dificuldades na aplicação das novas regras, e no final há um apêndice dedicado ao AO, com uma síntese do que muda, portanto, com o esclarecimento.
«E os exercícios têm soluções?!»
Têm, sim, todos os exercícios sobre expressão escrita, ou gramática, têm soluções. E não são apenas sobre o AO – seria bom que só tivéssemos dúvidas e cometêssemos erros relacionados com a aplicação das novas regras ortográficas! Infelizmente não é assim… muitas pessoas enganam-se a escrever certas palavras mais “traiçoeiras”, digamos assim (diminutivo, losango, despender, aselha, precariedade…) certas construções frásicas (parecido a ou parecido com? ir de encontro a ou ir ao encontro de? ser devido a ou derivado a?), certas formas verbais (hão-de ou há-dem,  matado ou morto?), têm dificuldade em distinguir palavras parecidas (descriminar/discriminar, reticente/renitente, há cerca/acerca, eminente/iminente…), têm dificuldade em substituir o registo familiar por um registo mais cuidado... e portanto há um pouquinho de tudo, nos exercícios.
No entanto, as propostas de exercício que aparecem após cada tipo de texto não têm soluções. São apenas sugestões de treino.
«Mas não é um livro de exercícios?»
Não propriamente. Os exercícios de gramática aparecem logo no capítulo sobre os erros mais frequentes, para que, antes de começarem a escrever determinado texto, os leitores possam perceber se caem facilmente nas “rasteiras” que a língua nos prega a todos, ou não. Mas eu diria que o livro incide sobretudo nas dicas e nos conselhos para escrever os mais diversos tipos de texto, desde as atas até aos verbetes de dicionário, passando pelas composições, pelas recensões críticas e pelos resumos. Só que, depois de dar um exemplo de cada tipo de texto, também deixo uma sugestão de exercício, para que os leitores possam praticar aquele tipo de texto. À parte disso, muito do conteúdo é sobre o processo de escrita, desde o momento em que decidimos que vamos escrever um texto até ao momento em que fazemos a revisão final.
«A Sara gosta muito de escrever?»
Sim, gosto muito e acho que tentei comunicar um pouco desse gosto aos leitores deste livro, no fundo o que eu gostaria era de contagiar os leitores, para que passassem a gostar tanto de escrever como eu. Não sei se isto parece exagerado, mas sinto que escrever, para mim, é tão importante como respirar. Sinto que não consigo viver sem escrever, porque de facto é algo que não só me dá prazer como me faz falta, para me sentir bem. Até pode não haver ninguém para ler o que eu escrevo – porque nem sempre escrever é comunicar – mas eu preciso de escrever, porque escrever me ajuda a pensar-me, a conhecer-me, e eu procuro levar os leitores a verem a escrita dessa forma, como algo que está ao nosso alcance para podermos viver melhor.
«Em que sentido?»
No sentido em que nos obriga a parar, a refletir, em que nos faz pensar sobre a nossa experiência, sobre o que sabemos e o que nos falta saber, portanto favorece o conhecimento e o autoconhecimento, no sentido em que nos ajuda a organizar as ideias, a estruturar o pensamento, a dar sentido ao que nos vai na cabeça, e também a criar algo novo, porque o que nós escrevemos é único e pode ficar no mundo como um sinal da nossa passagem por ele.
«E acha que isso está ao alcance de qualquer pessoa, ou é preciso ter um certo jeito?»
Claro que o jeito ajuda, quem tem jeito terá menos trabalho e levará menos tempo a atingir bons resultados. Mas o que é interessante nisto é que nem toda a gente que tem jeito para falar tem jeito para escrever… e nem toda a gente que escreve bem determinado tipo de textos é capaz de escrever bem outros tipos de texto diferentes… O essencial, a meu ver, é o entusiasmo, o empenho, a dedicação. O quanto a pessoa quer ser capaz e o que está disposta a fazer para conseguir. E isso pressupõe uma característica muito importante que é a humildade, a noção de que se pode fazer melhor. Quem acha que já escreve bem e não precisa de melhorar normalmente está enganado, porque se aplica o mesmo que se costuma dizer sobre o conhecimento (a célebre fórmula atribuída a Sócrates, “só sei que nada sei”): quem realmente sabe muito tem uma noção mais clara de tudo o que lhe falta saber. Com a arte da escrita é mais ou menos a mesma coisa, quem escreve bem sabe que pode sempre escrever melhor, provavelmente porque também lê muito e não se considera certamente o melhor escritor do mundo, vê sempre outros acima de si.